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História e Geografia de Yvytu.

Quer se aprofundar na história de Yvytu e o Palavra Bonita? Baixe a cartilha a seguir, com seis atividades de História e Geografia da região onde se passam as aventuras da guarani. Conheça um pouco mais de detalhes da cultura missioneira, realizando os exercícios propostos.

Professores e professoras, imprimam e usem, gratuitamente, as atividades em suas aulas. Elas foram pensadas para explorar o potencial didático de Yvytu e o Palavra Bonita.

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A República “Comunista” Cristã dos Guaranis

A república comunista cristã dos guaranis

Em 1949, o teólogo e estudioso suíço Clovis Lugon lançou um livro polêmico: A República “Comunista” Cristã dos Guaranis. No prefácio da edição brasileira de 1968, o editor já antecipa algumas críticas à obra. Afinal, como conectar dois campos, supostamente, tão distintos? Isto é, o comunismo, enquanto uma doutrina político-científica-econômica baseada na análise da materialidade do mundo, e o cristianismo, um sistema de crenças fundamentado na fé em uma força sobrenatural. Teoricamente, seria difícil essas duas dimensões se expressarem em uma mesma experiência. Porém, a realidade, algumas vezes, escapa aos modelos estabelecidos pelos humanos.

Independentemente da coerência ou não da análise levantada pelo pesquisador suíço, sua obra faz um levantamento magnífico de diversos aspectos das antigas missões jesuítico-guarani da América do Sul. Com base em uma vasta referência bibliográfica, ele nos apresenta um curioso, encantador e rico retrato da experiência que construiu, em meio ao predatório mundo colonial, uma sociedade baseada na solidariedade e ajuda-mútua, com todos os seus limites e defeitos.

No século XVII e XVIII, o termo “Paraguai” designava uma área bem maior do que o território do atual país que leva esse nome. Naquele tempo, era conhecido por Paraguai, o vasto espaço geográfico composto pelas bacias do rio Paraguai, Paraná e Uruguai. Aí, os homens da Companhia de Jesus, os jesuítas, vindos de diversos países europeus, mas principalmente da Espanha, se embrenharam e constituíram, se quiserem chamara assim, uma verdadeira epopeia religiosa. A qual culminou numa poderosa república, organizada e populosa, autossuficiente e, ao mesmo tempo, provedora do império espanhol em tudo que ele necessitasse.

O livro começa com as dificuldades várias que tiveram os jesuítas, desde os povos hostis ao contato com o branco, passando pelos bandeirantes paulistas até os colonos espanhóis. Essa experiência, aproximava os feitos dos homens da Companhia de Jesus aos dos primeiros apóstolos do início do cristianismo. Muitos foram os casos de sacrifício pessoal que esses religiosos enfrentaram, formando um amplo panteão de mártires jesuítas.

Sabemos bem o que foi o projeto colonial, baseada na exploração da natureza e na escravidão. Também, estamos cientes do papel que o cristianismo teve nesse processo. Apesar disso, muitos foram os jesuítas que desempenharam sua função com honestidade. Quer dizer, acreditavam, sinceramente, que a evangelização era o melhor caminho para os povos indígenas, entre eles, os guaranis. De fato, a vida nas reduções acabou sendo a única alternativa para eles. As outras eram a escravidão nas mãos dos bandeirantes brasileiros, dos encomienderos espanhóis ou, simplesmente, o extermínio.

A relação entre o projeto evangelizador da Companhia de Jesus e o projeto colonial da Coroa Espanhola era complexa. Na teoria, as reduções estavam sob a proteção da Coroa. Porém, nas lonjuras do interior americano, essa “proteção” era apenas palavra vazia. Pouco o governo colonial fez para evitar ataques dos bandeirantes, que, ao serem presos, eram, até, liberados. Apesar dessas e outras dificuldades, a experiência missioneira durou cento e cinquenta anos. E forneceu diversos bens ao governo espanhol. Desde couro, algodão, erva-mate, até bens manufaturados, como móveis, relógios, instrumentos musicais e imagens sacras. Mas não só isso, as reduções jesuítico-guaranis também forneciam homens para os diversos conflitos que a Coroa espanhola tinha no continente, tanto contra Portugal, quanto contra povos indígenas não-cristianizados.

As atividades produtivas eram realizadas pelos guaranis, da indústria, agricultura, passando pelo comércio e pela administração. Aprenderam as técnicas ensinadas pelos jesuítas e foram capazes de se organizar de maneira muito superior às cidades coloniais espanholas, que circundavam a região das reduções. Que o autor chama de República Guarani. Essa força organizacional inspirava medo na Coroa Espanhola.

Os chamados “detratores” da experiência jesuítico-guarani, costumavam acusar os jesuítas de aproveitadores, afirmando que eles enriqueciam com o trabalho dos indígenas. Porém, o autor é enfático ao defender que nenhum dos missionários que participaram da República Guarani enriqueceu ou se favoreceu pessoalmente do trabalho nas reduções.

Os guaranis, por sua parte, se habituaram com a maneira dos jesuítas, que tinha algo de “paternalismo”, e demonstravam verdadeiro apreço ao trabalho coletivo nas reduções. Onde desenvolviam jornadas diárias de no máximo 6 horas, enquanto na Europa os trabalhadores eram explorados por 12 ou 16 horas em um dia. Pressionados pela Coroa, os jesuítas tentaram acostumar os guaranis ao trabalho individual, cada um em seu lote. Porém, os nativos, simplesmente, rejeitaram esse modo de organização.

Não tinham interesse em cultivar seus lotes sozinhos, apraziam-lhe mais a atividade coletiva. O interesse da Coroa era de que os indígenas pagassem impostos por cabeça, daí a ideia de que trabalhassem individualmente. Esse sempre foi um ponto de inflexão entre as reduções e a administração colonial: o pagamento de impostos. Porém, os jesuítas negociavam com o governo e acabavam comercializando seus produtos fora das reduções para levantarem o dinheiro devido para os impostos.

Além do trabalho coletivo, cada morador das reduções tinha o direito a uma quantia de bens de necessidade básica, estocados nos seus armazéns. Todos recebiam esse benefício, trabalhando na lavoura, nas oficinas ou na administração. Ou ainda, se a pessoa fosse impedida de trabalhar por velhice ou outro motivo, também recebia o necessário para viver.

O autor faz uma breve discussão com autores marxistas. Para eles, a sociedade comunista só poderia ser estabelecida sobre uma base econômica adequada. Lugon usa o exemplo das reduções e dos camponeses russos para dizer que o comunismo poderá ser realizado em qualquer base econômica, desde que tenha como princípio a solidariedade e o amor fraternal.

Enfim, para não me estender muito, o livro traz muitas discussões e muitas informações históricas a respeito da experiência de organização que jesuítas e guaranis levaram a cabo no interior da América do Sul. Uma experiência que maravilhou pensadores como o Barão de Montesquieu e Voltaire, que viam nela, a concretização da utopia de Thomas More.

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Indígenas, os vilões da serra gaúcha

Muito ouvimos sobre a dita epopeia da imigração alemã e italiana no Rio Grande do Sul. A conquista de um ambiente inóspito e a coragem daqueles e daquelas que, apesar das adversidades, se estabeleceram aqui e prosperaram são repetidas à exaustão em eventos, livros e meios de comunicação. O local principal do estabelecimento desses imigrantes foi na chamada serra gaúcha. Mas, pouco escutamos sobre as populações que já habitavam esta região, antes da colonização, e acabaram sofrendo com as muitas transformações pelas quais seus territórios passaram.

Um vislumbre dessa realidade podemos ter na leitura de uma obra um tanto rara. Me refiro ao romance As Vítimas do Bugre. Escrito originalmente em língua alemã, este livro, de autoria do padre Matias José Gansweidt, narra a tragédia vivida pela família Versteg em meio às encostas da serra gáucha.

Sequestrada por um grupo de indígenas kaingang, apenas um membro dessa família consegue escapar, um rapaz chamado Jacó Versteg. É com base no depoimento desse sobrevivente, que Gansweidt, em 1928, escreve seu livro. O sacerdote alemão, porém, não publica seu manuscrito nesse ano. É só em 1948 que a obra será traduzida para o português e impressa.

Difícil de ser encontrado, o livro teve uma reedição em 2000, graças ao esforço de um descendente dos Versteg. Tive acesso a um desses exemplares na biblioteca pública de Farroupilha e o fotocopiei.

Com uma escrita rebuscada e arcaica, o autor começa nos apresentando a já cansada narrativa da epopeia dos colonos – alemães, no caso – em terras brasileiras. Ao mesmo tempo, também conhecemos os mocinhos/vítimas da história: a família Versteg. O casal, Lamberto e Valfrida, e os filhos, Jacó e Lucila. Que se estabeleceram no vale do Forromeco, nas encostas do chamado Morro do Diabo, entre os municípios de São Vendelino e Carlos Barbosa, por volta do ano 1858.     

Também nos é apresentado o vilão da história. Retratado como um autêntico malfeitor de telenovelas. Justiça seja feita, o autor não omite o triste passado do personagem, sendo até condescendente com o facínora que criou. Estou falando de Luís Bugre, que, quando menino, participou com um grupo de kaingangs, seu povo, de um ataque a um milharal na chamada colônia de Feliz. Tendo sofrido uma emboscada, o grupo fugiu, mas o garoto, baleado na perna, não pode acompanha-lo.

Adotado por um português que vivia entre os colonos alemães, o garoto foi batizado como Luís Antônio. Aparentemente, e o livro não explica, ninguém tentou perguntar ao pequeno kaingang se ele já não tinha um nome. Com frequência, o autor se refere ao menino como “filho das selvas” e relata a sua atribulada criação e adaptação ao mundo branco. Como era de se esperar, ele jamais se acostumou com o modo de vida dos colonos. Inclusive, ganhou um apelido, detestado por ele, Luís Bugre.

O autor não explora essa questão, mas nota-se o rancor que cresceu no garoto, durante sua estada entre os alemães. Nunca saberemos, ao certo, o que motivou o vilão da história a cometer seu crime, pois as dificuldades para acessar a versão dele são inúmeras. Aparentemente, não há fonte alguma que conte sobre os pormenores da vida do chamado Luís Bugre.

E qual foi seu crime? Segundo o relato do autor, ele teria dado a dica para um grupo de kaingangs atacar o rancho dos Versteg, quando Lamberto, o homem da casa, não estava lá. Além de levar tudo que puderam carregar, e quebrar o que não puderam, eles sequestraram a esposa, Valfrida, e as crianças, Jacó e Lucila.

Mas, não acabou por aí. Luís, grande conhecedor das matas e caminhos da região, teria se apresentado para ajudar os colonos na busca aos Versteg. Porém, ele fez o contrário disso, levando a expedição de resgate numa procura infrutífera, se perdendo em caminhos incorretos e dando tempo para os indígenas desaparecerem no interior do continente.

Um dos locais usados pelos kaingangs para abrigarem-se foi a gruta formada pelas águas da famosa Cachoeira do Salto Ventoso, no atual município de Farroupilha. Lá, hoje, tem um parque, com placas que contam um pouco dessa história.

A família de Lamberto nunca foi encontrada. Depois de anos de buscas, ele se conformou e foi viver em outra cidade, arrasado pela tragédia que se abateu sobre ele, acabou não formando outra família. Porém, muito tempo mais tarde, o garoto Jacó, já convertido em um rapaz, consegue se desvencilhar de seus captores e fugir para uma propriedade, localizada no atual município de Caxias do Sul. É ele a fonte para a escrita do livro. Porém, Jacó, que havia passado tanto tempo entre os indígenas, não teve vida fácil entre seus conterrâneos. Apelidado de “Jacó Bugre”, não conseguiu se integrar totalmente na vida da colônia.

Algumas passagens do livro, denunciam a conflituosa relação entre os imigrantes europeus e o ambiente que encontraram. Parece ter sido uma adaptação mais feita à força, através da subjugação do outro, do que do entendimento e da harmonia. Destaco o episódio em que os colonos da expedição de resgate entram no caminho de uma vara de porcos selvagens. O resultado é uma montanha de animais mortos.

Sobretudo, As Vítimas do Bugre nos falam de um conflito entre dois mundos. Um encontro de duas culturas, onde uma atropelou a outra, a sujeitou e massacrou até quase a extinção. O que restou para o lado mais fraco foi a sobrevivência, fugir, adaptar-se ao invasor, cometer ações desesperadas, enfim. Aferrar-se à vida, à existência. Essa é a história da serra gaúcha.        

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Poesia, feminino e natureza: Mulher na Terra sem mal

A Mulher e a Terra. Tanto uma quanto a outra, são vítimas milenares da possessão, da apropriação patriarcal. Este sistema que divide, cerca, limita, encarcera e domina. Apesar disso, é das duas que a vida germina. Libertá-las, é libertar a humanidade. Mais, é libertar o planeta.

Esta é a mensagem que retumba na suas cabeça, após a leitura de Mulher na Terra sem mal, livro de poemas de Michele Junana. A autora nos apresenta em palavras, em ritmo e em poesia o profundo universo feminino. Que se conecta com a natureza, com outro tempo-espaço. Onde a vida tem seus ciclos, que terminam e recomeçam. Essa dimensão é avessa à pressa da chamada civilização, que nos últimos séculos, produziu guerras, devastação e fome.

O livro, publicado em 2022 pela editora Donizela, de Curitiba, também traz ilustrações da artista Xapi Puri. Que reforçam a ligação espiritual entre o feminino e a natureza, a Mulher e a Terra.

A chamada Terra sem mal faz parte da crença religiosa do povo mbya-guarani. Seria o paraíso, onde não há fome, nem violência. Algumas interpretações colocam que a Terra sem mal não é um lugar específico, mas pode ser o lugar em que vivemos. Aqui e agora, se assim quisermos e agirmos para tal. Somos capazes disso?

Obrigado e até a próxima.

Mulher na Terra sem mal
Capa. Arte de Xapi Puri
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Genocídio indígena na literatura

Livro

A colonização europeia na América foi um processo de genocídio. Sendo curto e grosso. E é preciso começar a tratar a questão dessa maneira nos bancos escolares. Pois, o que aconteceu, foi a tentativa de varrer da face da Terra, todo um povo. Essa é a história que conhecemos no livro Jasy y Kurahy: genocídio guarani, do paraguaio Gino Canese. 

A obra é um romance que mescla ficção e fatos históricos. Através dela, acompanhamos a história de amor entre a jovem Jasy (lua) e o também jovem Kuarahy (sol). A união dos dois promove a aliança entre duas tavas, duas grandes aldeias ou, como diz o texto, tribos. Esta palavra se encontra em desuso entre os estudiosos e quem a pronuncia, hoje em dia, revela o quão distante está da discussão sobre os povos indígenas. Não é por menos, o livro foi publicado em 2000, há mais de 20 anos. De qualquer maneira, não tenho conhecimento de como anda esse debate no Paraguai, assim, não há porque falar mais sobre isso.

Mas, como em todo romance, o amor dos dois encontra um obstáculo. São os espanhóis, que começaram a colonizar a região próxima ao rio Paraguai, em meados do século XVI. Pacífica, no seu início, a relação entre população nativa e colonizadores, logo se converte em uma catástrofe.

Gananciosos, os espanhóis requisitavam comida, madeira para construção, trabalho braçal e, principalmente, mulheres. Oferecidas pelos seus pais como um sinal de amizade, as jovens guarani passaram a ser agarradas à força e a servir no acampamento espanhol como faxineiras, cozinheiras e amantes. Este acampamento, logo se transforma em um forte, que dará origem, no futuro, à cidade de Assunção, capital do Paraguai. Um dos colonizadores, naqueles entonces, se interessa muito pela beleza de Jasy, e aí começam os problemas do casal indígena.

Acompanhando a história, conhecemos o modo como os colonizadores agiram para exterminar o povo guarani, que decidiu reagir e expulsá-los quando já era tarde demais. Apesar da sua superioridade numérica, os indígenas não foram páreos para as armas de fogo e as armaduras europeias. Mas não puderam sobrepuja-los, principalmente, por um motivo, a traição. Sempre havia algum guarani disposto a espionar e revelar os planos de ataque aos espanhóis.

As doenças dos brancos completavam o serviço de extermínio. Derrubando milhares de guarani, que não tinham imunidade para elas. A aliança com povos inimigos dos guarani foi outro fator que levou à vitória aos espanhóis. Aos guarani, só restou buscar refúgio em outras partes do continente. Verdadeiras levas migratórias acompanhavam os rios que correm no centro da América do Sul, como o Paraguai, o Paraná e outros.

O livro, lá pelas tantas, se esquece, bruscamente, de Jasy e Kuarahy e entram outros personagens. O casal do início some e a narrativa salta no tempo, para meados do século XVII. Entram em cena os padres jesuítas e os bandeirantes. E a luta guarani por sobrevivência continua. O narrador, em alguns momentos, abandona a história e começa a fazer uma denúncia dos danos que o processo colonial causou aos povos originários e aos futuros países que se formaram nessa região do globo. Nessa parte, ele abandona um pouco a literatura. De qualquer forma, é uma ótima fonte para aprender história da América do Sul e cultura guarani também.

Não encontrei uma versão em português do livro. Li a original, em espanhol. É possível acha-lo em pdf na internet, foi como eu fiz. Vale a pena a leitura. Muito obrigado e até a próxima!

Conheça meu livro Yvytu e o Palavra Bonita.

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Mbaraka e Guitarra

Card do projeto

Como ficaria o canto guarani acompanhado por guitarra, baixo e bateria? Temos algo aproximado no CD Sementes da Retomada: Coral Arai Ovy e La Digna Rabia. São cinco faixas que misturam as vozes guarani do Coral Arai Ovy e o balanço cumbia/ska da banda portoalegrense La Digna Rabia, mais uma faixa instrumental gravada pela banda. Esse trabalho é fruto de um projeto realizado com recursos da Lei Aldir Blanc de 2020, e executado durante o ano de 2021.

Nesse período, a equipe de produção fez algumas visitas a Retomada mbyá-guarani no município de Maquiné/RS. Como vivíamos a pandemia de Covid-19, esses contatos foram bem menos do que o desejado. Mas, assim mesmo, o trabalho foi cuidadosamente realizado, com o coral e a banda gravando separadamente.

Capa do CD.

O CD foi lançado no final de 2021, juntamente com um documentário, que mostra as gravações musicais e entrevistas com membros da banda e da comunidade guarani. Difícil dizer se um trabalho como este já foi realizado anteriormente. Talvez sim, em algum desses rincões do país, mas não sabemos. Muitos conhecem o trabalho que a banda Sepultura gravou com indígenas Xavante, nos anos 90. Mas não foi a mesma coisa. O idioma das canções aqui é o mbyá-guarani e falam do modo de vida desse povo, que venera a alegria, a música, a dança, a floresta e a própria vida.

O encarte do CD traz as letras, com a tradução em português e desenhos feitos pelas crianças da comunidade. A arte da capa, inspirada nos grafismos guarani, foi realizada pelo artista visual Leo Garbin e a produção musical ficou a cargo de Arthur de Faria, conhecido músico gaúcho.

Para conhecer mais sobre o projeto acesse o site. Também acompanhe o instagram da banda aqui.

Até a próxima!

Conheça a novela Yvytu e o Palavra Bonita.

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A origem da linguagem humana

A linguagem é uma dádiva dos deuses, o que seria da humanidade sem a capacidade de se expressar? Essa é uma das ideias presentes no livro Ayvu Rapyta: textos míticos de los Mbyá-Guarani del Guairá. Trata-se de uma compilação de mitos, histórias e costumes dos mbyá-guarani, escutadas em primeira mão e transcritas pelo etnólogo paraguaio León Cadogan, que viveu entre esse povo durante muitos anos. Apenas devido à proximidade e confiança adquiridas pelo estudioso, a revelação desse conhecimento foi possível.

Considerada por alguns como o gênesis guarani, a obra teve sua primeira aparição, ainda que parcialmente, em 1953, na “Revista de Antropologia”, da USP. Mais tarde, em 1959, as histórias seriam editadas completas. Profundo conhecedor da língua e da cultura mbyá (um ramo do povo guarani, ou uma “parcialidade”, como dizem alguns), Cadogan apresenta histórias escutadas de diferentes lideranças e anciãos indígenas. Podemos conhecer mais de uma versão da mesma história, de acordo com a pessoa entrevistada, e, de forma detalhada, as diversas simbologias encontradas em cada relato.

A palavra ayvu pode significar “fala” ou “língua”, e rapyta, “fundamento” ou “origem”. Dessa forma, a obra trata da origem da linguagem humana. A palavra é uma coisa tão importante na cultura e cosmovisão mbyá que foi criada antes das pessoas, segundo sua crença.

Com diferentes nomes, Nhande Rú, Nhande Rú Tenonde ou Nhamandú, o criador, o Pai Primeiro e Original, teria feito surgir a linguagem humana, antes mesmo da criação da morada terrestre, chamada de yvyrupã. Junto com a linguagem, ele também criou o amor. Inclusive, ayvu significa linguagem e amor. Através dessas duas coisas, os ensinamentos seriam transmitidos para os seres humanos.

Cada pessoa que vem ao yvyrupã, ao mundo, é uma palavra. Ou como dizem os mitos, uma palavra-alma. É muito interessante a importância que os mbyá dão a essa questão. Cada criança que nasce, recebe a sua “palavra”, o seu nome. Mas, não no momento do nascimento, como fazemos os não-indígenas. Os nomes são escolhidos cerca de um ano depois. E cabe ao xamã da comunidade consultar os espíritos e batizar as crianças.

Os nomes derivam dos diferentes paraíso. Esses lugares espirituais são habitados pelos filhos do Pai Primeiro: Tupã (que representa a moderação, a chuva que refresca), Karaí (representante do fogo, do fervor das almas), Jakaira (responsável pela neblina da sabedoria) e Nhamandú (que é o sol, a vida). Cabe ao xamã, acender o cachimbo, espalhar a neblina e interpretar de qual dessas partes veio o espírito da criança. Só então, será batizada. Terá a sua “palavra”, ou seja, o seu lugar no cosmo.

Somos feitos de palavras, afinal de contas. Não somos? Vivemos, muitos de nós, procurando algo que nos defina. Ás vezes, de tanto nos chamarem de “feio”, “bonito”, “inteligente”, “burro”, “bandido”, “legal”, “lixo”, “senhor” ou “senhora”, acabamos nos subjetivando dessa forma e, assim, entendemos nosso papel no mundo. Essa discussão é muito comum na pedagogia e na psicologia.

Patrões quando querem fazer parecer que se importam com seus funcionários, passam a chamá-los de “colaboradores”. Não é verdade? É porque as palavras produzem sentidos e influenciam comportamentos. Assim, os mbyá procedem. Quem já teve a oportunidade de conhecer esse povo, nas ruas de alguma cidade ou visitando alguma comunidade, pode perceber a maneira com que, geralmente, se tratam uns aos outros e a nós. Dificilmente, testemunhamos algum levantamento de voz ou alguma palavra ríspida. Além disso, são excelentes ouvintes, nunca interrompem uma pessoa enquanto ela estiver falando. São, de modo geral, pessoas muito espiritualizadas, seguidoras de sua religião e do seu pai Nhande Rú.

O livro traz, também, os mandamentos e códigos de conduta que os mbyá devem seguir, as rezas e hinos que podem recitar, histórias, animais permitidos e proibidos para comer, as normas e procedimentos adequados para a prática da agricultura, receitas medicinais, entre outras coisas.

A não violência é muito presente nos ensinamentos de Ayvu Rapyta. Os conselhos destinados aos casais enfatizam a importância da construção de um lar harmonioso. A figura masculina é orientada a nunca ser a primeira a se enfurecer na relação. Não brigar com os filhos é um mandamento importante, também (de fato, em uma aldeia, é difícil ver um adulto xingando uma criança). Porém, o mais interessante, para mim, é o mandamento de não debochar de outra pessoa, não menosprezá-la pelos seus possíveis defeitos, físicos ou de outra ordem. Sob pena dos filhos do infrator nascerem com as mesmas características. Se trata de um tipo de código antibullying.

Conhecer essa obra é se aprofundar no universo de um povo. É aprender com o seu modo de vida e sua maneira de ver o mundo. É respeitar uma cultura tão antiga quanto qualquer outra e reconhecê-la, não como algo exótico ou bárbaro, mas como mais uma habitante do planeta, que merece seu espaço. Foi essa troca cultural constante que impulsionou o aprimoramento humano ao longo da história.

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Você conhece o rock ancestral de Redbone?

Em 1970, o clássico Enterrem Meu Coração Na Curva do Rio era lançado pelo escritor Dee Brown. A obra foi um marco na historiografia estadunidense, trazendo um novo olhar sobre os nativo-americanos, tirando-os de uma posição secundária, historicamente, e elevando-os ao papel de protagonistas e heróis. Essa visão se estendeu, inclusive, para o cinema, que quase sempre representava os povos indígenas como vilões traiçoeiros.

Neste mesmo ano, Pat e Lolly Vegas, dois irmãos yaqui, povo nativo da Califórnia, recém haviam fundado a banda que seria a expressão musical desse movimento de afirmação dos povos indígenas norte-americanos: a RedBone. O grupo teve diferentes formações, porém, aquela que obteve maior repercussão foi a que contava com os irmãos Vegas, Pat (baixo) e Lolly (guitarra), ao lado de Tony Bellamy (guitarra solo), outro yaqui, e Butch Rillera (bateria), de origem mexicano-filipina.

Com uma mistura de rock e r&b o grupo chegou ao auge no ano de 1974, vendendo entre 5 e 6 milhões de cópias do compacto Come and Get Your Love. Você deve ter escutado essa canção na trilha sonora do filme Guardiões da Galáxia, de 2014. Foi quando o interesse por essa banda se reavivou, ao menos na internet.

É unanimidade nas caixas de comentário da plataforma youtube, que Redbone é uma banda que merecia mais reconhecimento. Eu concordo. Musicalmente, o grupo colocaria qualquer plateia para dançar. A influência da black music, com seu swing e balanço é inconfundível, além do destacado trabalho vocal – todos os integrantes cantam. Porém, não fica nisso. Alguns temas trazem guitarras psicodélicas e até próximas do hard rock. Canções de blues e baladas também fazem parte do repertório da banda, levando o ouvinte a uma experiência sonora sem igual. Basta colocar os fones e viajar.

Mas, a importância de Redbone vai além. O nome, que se traduz para “osso vermelho”, segundo alguns blogs, seria uma expressão, um tanto pejorativa, referente a pessoa mestiça. O grupo escolheu esse nome para designar seu trabalho. A herança nativo-americana ficou visível no figurino da banda, com os adereços de penas e os colares, e nas artes dos álbuns, com grafismos e fotos de indígenas norte-americanos. Os assuntos tratados nas letras das canções reforçavam ainda mais esse pertencimento histórico e cultural.

Em 1973, o grupo lançou um single intitulado We Were All Wounded At Wounded Knee. A canção fazia referência ao evento que ficou conhecido como “massacre de Wounded Knee”: um horrendo crime cometido pela 7ª Cavalaria do Exército dos Estados Unidos em 1890, quando mais de uma centena de homens, mulheres e crianças do povo dakota foram assassinados às margens do rio Wounded Knee. A canção foi banida das rádios estadunidenses, pelo seu conteúdo, mas obteve sucesso na Europa. O que levou o grupo a uma turnê nesse continente.

Destaco ainda a canção Wovoka, cuja letra conta a história de um líder religioso paiute que foi o fundador do culto da “Dança Fantasma” que se espalhou pelo oeste dos EUA. Wovoka, como ele se chamava, profetizava que, através dessa dança, um dia, os brancos desapareceriam de suas terras e seus entes queridos, bem como os búfalos, retornariam para os alegrar. O culto recebeu adesão massiva daqueles que perderam os seus no massacre de Wounded Knee.

É possível encontrar shows e entrevistas da Redbone no youtube. Os mais recentes são do ano de 2009/2010, com os membros restantes do grupo, Pat Vegas e Tony Bellamy. Butch Rillera ainda está vivo, mas, por alguma razão, se encontra distante dos antigos companheiros de banda. Lolly Vegas faleceu em 2010. Porém, ele já não se apresentava desde 1994, quando teve um derrame. Lolly se dedicava a pintura no final de sua vida.

Vivemos na era da internet, o mundo está a um clique de distância. Aproveite, pesquise, conheça coisas legais e se alegre.

Obrigado e até a próxima.

Conheça meu livro: Yvytu e o Palavra Bonita.

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Escritor Rafael Martins lança livro sobre menina indígena

Novo livro do escritor Rafael Martins da Costa, “Yvytu e o Palavra Bonita”, conta a história de uma menina Guarani e está atualmente em pré-venda com desconto no site da editora Coragem,

O livro conta a jornada de Yvytu, uma garota guarani que deixa a redução jesuítica em que se criou e parte em busca de suas raízes ao redor do rio Uruguai. Lá ela descobre que seu destino está entrelaçado ao do seu povo.

O autor, Rafael, é professor do ensino fundamental, escritor e quadrinista.

A edição possui ilustrações feitas pelo próprio autor e prefácio de Rejane Paféj Kanhgág. Segundo ela, “neste momento de recrudescência da violência contra os povos indígenas, diante da perpetuação do esbulho dos seus territórios através da expansão do agronegócio, da mineração e das invasões de parte dos setores ruralistas, a dramaturgia, se posso chamar assim, é uma inspiração para pensarmos e atuarmos em favor da criação coletiva de empatia e respeito com a diversidade”.

A pré-venda acontece até o dia 31/03/2023 no site da loja virtual da Editora Coragem. Neste período é possível garantir um exemplar do livro com 10% de desconto.

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Xondaro: a dança do guerreiro

A entrada do novo governo brasileiro, nesse início de 2023, pode trazer alguns avanços para as condições de vida dos povos indígenas, como a fundação do ministério dos povos indígenas e a proibição do garimpo em suas terras. Se compararmos com os anos de Bolsonaro, onde massacres indígenas eram até incentivados, podemos aceitar que estamos navegando com ventos favoráveis.

Porém, lembremos que, mesmo nos primeiros governos PT, a luta indígena por direitos não parou. Desde que os conquistadores europeus pisaram nestas terras em que vivemos, os povos originários sofreram e continuam a sofrer a perda de direitos a seus territórios e à sua cultura. Se, agora, as instituições dos homens brancos os olham com algum respeito, amanhã, não temos como saber. A única certeza é a luta. E podemos conhecer um pouco dela na obra de Vitor Flynn Paciornik, Xondaro.

Trata-se de uma História em Quadrinhos, publicada em 2016 pela editora Elefante, em parceria com a Fundação Rosa Luxemburgo. Através de 60 páginas coloridas, ela apresenta a narrativa de um casal de anciãos Guarani Mbyá, que explicam a história de resistência de seu povo para um grupo de jovens.

Durante a narrativa, o autor nos apresenta momentos recentes da trajetória de luta do povo Guarani Mbya de São Paulo, mais precisamente, ações ocorridas entre os anos de 2013 e 2014. O que nos mostra que, mesmo na maior metrópole do país, os povos originários continuam existindo e mantendo suas tradições e modo de vida.

A arte aquarelada de Paciornik é muito delicada e bonita, representando, em detalhes, as casas de barro dos guarani e outros aspectos da aldeia. O autor mantém um blog na internet, o Quadrinhos B, onde se dedica a postar suas artes e projetos em desenvolvimento.

Conheça essa excelente publicação, apóie o quadrinho nacional e os povos indígenas. Até a próxima!

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