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página de história em quadrinhos
Eva perde o sono e deixa o cotiguaçu (casa grande, onde ficavam os órfãos).
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A noite na Redução, depois da missa.

YVY – Mistérios da Terra/Capítulo 3

Ela firmou o cabo da lança, feito de taquara, na axila. Divisou o saco de serragem que balançava no galho de uma ampla figueira. Se preparou para a investida.

̶   Concentração, Eva. Mantenha o equilíbrio.

Ao lado dela, estava Barnabé, seu futuro marido. Outro jovem guarani que vivia na redução e que já contava seus 20 anos de idade. Ela, 18. Ele a observava, como se a avaliasse. Corrigia sua postura e dava orientações. Apesar do rapaz parecer rude, quem prestasse atenção em seus olhos, veria que havia orgulho neles.

Eva tocou a barriga do cavalo com os calcanhares e disparou em direção ao alvo, Barnabé a seguia, não muito de perto.

̶   Firme, Eva! Firme!

A lança atingiu em cheio o saco de serragem e se prendeu nele. Eva terminou a investida de mãos vazias.

̶   Muito bem. Foi um bom ataque   ̶   Elogiou Barnabé, se aproximando com seu cavalo.

Eva sorriu, então, ele continuou.

̶   Mas você perdeu a lança. O que faria se isso acontecesse em uma batalha?

A garota foi virando o rosto, bem devagar.

̶   Bom… eu faria…

De repente, num gesto rápido, ela tirou o poncho que usava e o atirou sobre Barnabé.

̶   Isto!

O jovem guarani se enredou como se estivesse em uma teia. Eva aproveitou o momento e disparou a galope. Barnabé levou alguns instantes para se desvencilhar e logo saiu em disparada atrás dela.

̶   Então, é assim?  ̶  Ele tinha um sorriso no rosto, adorava esses joguinhos que ela fazia.

Naquela imensidão verde, apenas os quero-queros eram os espectadores daquela carreira. No fim, foi uma corrida sem vencedor, nem vencido. Os dois terminaram em um pequeno rio, bem raso. Barnabé saltou de seu cavalo, quando se aproximou de Eva, a abraçando por trás. Os dois caíram de suas montarias, sobre a água.

Naquela imensidão verde, apenas os quero-queros e os dois cavalos eram os espectadores do amor entre Eva e Barnabé. Enfim, a garota órfã já não se inquietava tanto sobre seu passado, também ouvia cada vez menos aquele velho chamado que a impelia para fora da redução. Ela apenas vivia sua vida, era até feliz.

O sol começou a se querer se esconder, o casal voltou para casa.

Aquela mesma praia, a mesma escuridão, o mesmo vento. O mesmo cenário. O som das ondas quebrando. Mas Eva não está lá. Ela apenas observa. Algo começa a emergir das ondas. De longe, é apenas uma mancha escura. Mas, quando se aproxima, se vê uma silhueta feminina. A lua joga sua luz sobre a figura. Sim, é uma mulher.

Ela sai da água e se para sobre a areia. Eva nunca viu uma mulher como aquela. Sua pele escura reluz ao luar. Sua boca se abre num sorriso. O brilho dos dentes é arrebatador.

Eva se acordou de um pulo. Estava na sua cama de couro de boi sobre o chão. Ao seu lado, Barnabé continuava dormindo.  

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YVY – Mistérios da Terra/Capítulo 2

Ela adorava correr por aquelas coxilhas cobertas de campos. O vento acariciando o seu rosto e balançando seus cabelos, a imensidão do céu, os variados tons da verde, tudo isso lhe trazia uma sensação que ela não sabia explicar, mas era boa. E melhor ainda, quando, para estar ali, ela faltava com suas obrigações religiosas.

Antes, até gostava daquela função. Acordar cedo, rezar, fazer o desjejum, estudar latim, fazer aula de canto, rezar, almoçar, sestear, ouvir leituras da Bíblia, rezar mais uma vez. Ela era boa em tudo isso, soube se destacar dos demais na aprendizagem cristã.

Mas, aos 10 anos de idade, ela parecia ouvir um outro chamado, algo que a impelia para fora da redução. E lá estava ela, com seu arco e flecha, feito por ela própria. Enxergou um grupo de perdizes em meio ao capim alto e se preparou. Hoje, a janta no Cotiguaçu[1] seria por sua conta. Ao menos, era isso que imaginava.

̶  Evaaaa!

A corda do arco voltou à posição onde estava, a flecha não foi disparada. As perdizes levantaram vôo com o grito. A menina se virou.

̶  Padre Antônio! O senhor me fez perder a caça.

̶  Agora não é hora para isso. Precisamos nos preparar para a missa. Quero você me ajudando hoje!

O padre precisou caminhar um pouco além do que imaginava para achá-la. Já não era mais tão jovem, mas precisava fazê-lo. Queria que Eva, que ele criou desde nenê, voltasse à rotina da redução.

̶  Mas, por que eu?  ̶  Eva franziu a testa.

̶  Ora, você já sabe. É a melhor aluna que tenho. Além disso, você não é como os outros!  ̶  O padre a fita com seus imensos olhos azuis.

Os dois caminharam em silêncio por uma trilha, ladeada por um capim da altura da cintura de Eva. Algumas figueiras, ao longe, quebravam a monotonia da paisagem campestre. Descendo por um declive, adentraram uma mata fechada, cruzaram um pequeno arroio e se colocaram, mais uma vez, colina acima. Chegando ao topo, avistaram a redução, ao longe. Eva se deteve.

̶  Disseram que meu avô está vivo ainda. Ele mora sozinho lá no meio da mata.

Padre Antônio tinha um grande carinho por aquela menina. Julgava que Deus a havia salvo daquela doença terrível, com algum propósito maior. Como Nosso Senhor tem um grande senso de humor, fez o seu grande inimigo, o feiticeiro Moreyra, em pessoa, entregá-la para ele. Assim acreditava o jesuíta.

̶  Minha criança, você não vai querer viver entre as feras. Você é especial.

Eva abaixou a cabeça e os dois prosseguiram. Atravessaram o campo em que o gado pastava e, depois de alguns instantes, estavam no chão de terra batida da redução.

Vestida na sua túnica de algodão cru, Eva auxiliou o padre Antônio durante a missa. Acendeu as velas, alcançou o cálice e as hóstias, abriu e segurou a Bíblia, enfim. Foi aquilo que se esperava dela.

Porém, à noite, no Cotiguaçu, Ela voltou a pensar na conversa que tivera com o padre Antônio. E, ali, deitada junto com as outras crianças, adormeceu.

Apenas a lua cheia quebra a escuridão na praia. O agito das ondas e o vento forte trazem  sossego para Eva, que apenas contempla aquele cenário. Abre os braços e se deixa tocar pelas sensações que a umidade e o sal lhe proporcionam. Que lugar é aquele?

De repente, pressente que alguém a observa. De longe, avista uma silhueta humana. Seus pés começam a levá-la até a figura desconhecida, ela não pode evitar. Já dá para distinguir que se trata de um homem, o corpo coberto por um poncho, os cabelos escuros até os ombros.

Ela já está há uns cinco passos da figura. É um homem, em idade madura. Desde que o avistou de longe, ele permaneceu imóvel. Agora, ao se aproximar, vê seu rosto, é um guarani, mas, diferente dela, não carrega o colar com a cruz. Ela não sabe porquê, mas sente que o homem lhe é familiar.

Então, ele ergue o braço e aponta para direção do mar. Ela contempla as ondas mais uma vez.

Quem seria àquela hora? Se perguntava o padre Antônio, enquanto acendia a lamparina. A última vez que o acordaram no meio da noite foi para tratar de um parto. Seria a mesma coisa? Ele não tinha certeza. Quando abriu a porta, se assustou um pouco.

 

̶   O que aconteceu, Eva?  ̶  Lá estava a menina guarani, no seu vestido de fibra de algodão cru, acinzentado. Tinha os olhos lacrimejantes.

̶   Padre Antônio, como é o meu avô?

O sacerdote ficou por uns instantes calado, observava a garota e pensava no significado daquela pergunta. Então, se agachou a altura dela e lhe deu um abraço.

[1] Construção da redução onde se abrigava as crianças órfãs.

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YVY – Mistérios da Terra/Capítulo 1

Aqui começará uma série de postagens, com as origens de Eva, Odara e padre Antônio. Você poderá entender melhor a respeito desses personagens e da webcomic YVY. Embarque conosco nessa história.

Capítulo 1

Quando padre Antônio aceitou a missão de evangelizar os pagãos no interior da América, não tinha ideia do que o aguardava. Para ele, cada dia era uma nova provação naquele mundo esquecido por Deus, onde pobres selvagens viviam abandonados à própria sorte. Sabia que, nos últimos tempos, uma doença desconhecida derrubava os índios que viviam fora da redução, mas não esperava que a situação fosse tão desesperadora.

Os guaranis que viviam nas matas próximas ao rio Uruguai eram resistentes a ideia de viver na redução, sob o controle dos jesuítas. O principal motivo era a liderança de um feiticeiro guarani, inimigo de Antônio, conhecido pelo nome de Moreyra, que fizera de tudo para desacreditar os homens de preto perante os indígenas. Antônio ouviu os rumores de que essa enfermidade, de que ninguém ouvira falar, estava dizimando as aldeias da região. Era um bom momento para um homem de Deus se apresentar e trazer conforto espiritual, além de, por que não, atrair novas almas para o seu rebanho.

Porém, ao chegar a uma dessas aldeias, o padre percebeu que seria muito difícil aumentar seu rebanho com aquelas ovelhas. Era uma aldeia fantasma. O único som era o das moscas, que infestavam o local. Muitos corpos espalhados pelo chão, crianças, adultos e velhos. Estavam como se tivessem se deitado e esperado a morte chegar. Todos tinham o corpo coberto por feridas ensanguentas e purulentas. O inferno deveria ser parecido com aquilo.

O padre desceu do cavalo e foi entrando nos casebres de pau a pique que formavam a aldeia. Em cada um deles, a mesma cena. Pessoas alheias a qualquer ajuda de ordem terrena. Até que, em uma das casinhas, o inusitado. Alguém em pé. Antônio o observou desde a entrada do recinto. A figura estava de costas, os cabelos negros caídos até os ombros. Vestido em um poncho de algodão cru, balançava de um lado para o outro, embalava alguma coisa nos braços. Então, parecendo notar a presença do padre, a figura se virou.

Era Moreyra, seu desafeto. Tinha um olhar derrotado, de súplica, como se estivesse se rendendo. O índio se aproximou, nos braços, tinha uma criança recém nascida. Ele fez um gesto como que oferecendo o bebê para o padre. Ele tomou a criança no colo, foi quando viu que se tratava de uma menina. Também notou que ela, assim como Moreyra, não tinha a pele doente como os demais, pareciam saudáveis.

Assim, o padre Antônio descobriu que, mesmo numa terra sem Deus, milagres acontecem.

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Sepé Tiaraju

Por Rafael.

sepé tiaraju

Uma das páginas da HQ.

Muitos conhecem a história do cacique guarani Sepé Tiaraju. Aqui no blog ele foi citado em uma postagem. Recentemente, descobri uma publicação da Câmara dos Deputados de Brasília, do ano de 2010, homenageando essa figura que agora se encontra no “Panteão dos Heróis da Pátria”, por iniciativa do então deputado federal, Marco Maia, do PT.

Não sei, exatamente, que “pátria” Sepé teria defendido. Acredito que não uma que escraviza negros e índios. Porém, a publicação comemorativa da ocasião, lançada pela Câmara, é uma História em Quadrinhos de autoria de Luiz Gatto (roteiro) e Plínio Quartim (arte), muito instrutiva e pronta para ser usada em escolas como base para um debate. A história exagera um pouco na questão da harmonia entre jesuítas e guaranis, como se os últimos tivessem aderido “naturalmente” ao cristianismo, mas a obra não perde importância. Pode ser baixada no seguinte link.

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